Usos vão das indústrias de alimentos e fármacos até a agricultura. Além de não poluir, cultivo da espécie ajuda a capturar gases do efeito estufa
O Instituto de Pesca (IP-APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, realiza pesquisas inovadoras para o cultivo da macroalga Kappaphycus alvarezii. Considerada de grande aplicabilidade em diversos setores industriais e na agricultura, a alga pode constituir uma relevante ferramenta de geração de renda para comunidades litorâneas.
“A macroalga é a principal fonte da gelatina kappa-carragenana, um hidrocoloide que tem sido amplamente utilizado como aditivo em indústrias como as de alimentos, cosméticos e farmacêuticos”, diz a pesquisadora do IP, Valéria Cress Gelli, que coordena as pesquisas com a espécie. “Além disso, pode ser utilizada diretamente na alimentação humana e na indústria de rações. Dela pode-se extrair também biopolímeros, biocombustíveis, bioestimulantes agrícolas e compostos bioativos”, complementa.
Uma das aplicações estudadas por Valéria é justamente a agrícola, como bioestimulante. “Os produtos do tipo, com base em extrato de alga, estão hoje em grande apreciação, uma vez que esse biofertilizante é biodegradável, contém fitormônios e promove aumento de produção das culturas agrícolas”, diz a pesquisadora. Conforme conta, já existem muitos trabalhos científicos que comprovam a eficiência do uso do extrato de forma foliar na agricultura, ocasionando diminuição de doenças e resistência a estiagens, além de incremento na produtividade – que só para alface chega a 23%, por exemplo.
Frutos das pesquisas com o tema, a caracterização de novas linhagens para o cultivo e a implantação do Biobanco das Linhagens da Macroalga K. alvarezii pelo Laboratório de Macroalgas, do Núcleo Regional de Pesquisa do Litoral Norte do IP, em Ubatuba, são avanços importantes, na visão da especialista. “O biobanco contém 15 linhagens da macroalga que foram formadas de forma espontânea, aqui no Estado de São Paulo. A diferença entre elas é que cada uma tem características produtivas próprias, como quantidade de carragena, rendimento em biofertilizante, resistência à temperatura ou aos epibiontes, organismos que se aderem às plantas e prejudicam seu desenvolvimento, por exemplo”, explica a pesquisadora.
Com potencial para geração de renda, atividade vem se estabelecendo no Brasil
O cultivo de algas marinhas é considerado uma atividade de bastante futuro, não só no Brasil, como em muitos países. Aliando sustentabilidade e geração de renda, a tendência, garante Valéria, é de crescimento. Atualmente, a produção total brasileira está em torno de 700 toneladas por ano, sendo o estado do Rio de Janeiro o maior produtor.
“O mundo inteiro hoje está incentivando o cultivo da alga, até pela captura de gás carbônico da atmosfera que ela promove”, assegura Valéria, acrescentando que isso contribui para mitigar o problema da acidificação dos ambientes marinhos. “Essas macroalgas crescem em um ritmo rápido, de 3 a 8% ao dia, e produzem uma grande biomassa em pouco tempo, que pode ser utilizada, por exemplo, para a produção de bioetanol”.
No que se refere à geração de renda, o grupo de Valéria realizou trabalho mostrando a viabilidade econômica do cultivo da alga para produção de biofertilizante agrícola no litoral paulista. “O processo para obtenção do extrato pode ser realizado de forma artesanal, nas próprias dependências do produtor”, assegura. Ela acredita que a implantação de cultivos da macroalga é uma atividade promissora para a aquicultura marinha brasileira, podendo contribuir com o desenvolvimento sustentável das comunidades litorâneas do país, gerando trabalho e reduzindo a pobreza. “São alternativas aqui para o Brasil, uma vez que a alga se adaptou muito bem às nossas condições ambientais, principalmente no Estado de SP, podendo ser colhida o ano todo”, conclui.
Apesar de cultivada só no mar, a alga traz contribuições a lugares bem distantes do litoral. Em Holambra, no interior paulista, o produtor rural Theodoro van Kampen vem participando, há cerca de dois anos, de ensaios em parceria com o IP para empregar a K. alvarezii nos cultivos de sua propriedade. O foco principal é a utilização do extrato como bioestimulante, visando a formação de flores em orquídeas do gênero Phalaenopsis. “Este produto vem sendo utilizado em plantas que não davam flor, eram descartadas. Passamos a introduzir o extrato da alga para ver como reagiriam”, relata van Kampen. Em cerca de quatro meses de aplicação foi possível notar melhoras nas plantas. “Várias dessas plantas começaram a produzir os bastões de onde saem as flores”. O agricultor agrega que também utilizou a macroalga como adubo em sua plantação de laranja, obtendo bons resultados.
O produtor diz estar animado com os efeitos observados nos cultivos. Apesar de se tratar de ensaios bastante preliminares, afirma enxergar muito potencial na aplicação dos subprodutos da K. alvarezii na agricultura. “Ainda que esteja no começo, eu acredito que o uso da alga tenha muito futuro e vá ser muito próspero”, afirma van Kampen.
Quem também tem o que agradecer às algas é Aparecido Cardoso da Silva, o Cido, produtor de alimentos orgânicos em Ubatuba que utiliza o extrato em seus cultivos. “Comecei a usar em 2016 e não parei mais. É um estimulante diferente, que ajuda muito na fortificação das plantas”, garante. De acordo com o produtor, o extrato da macroalga traz melhoria para o solo, aumentando o aproveitamento dos nutrientes pelas plantas. “Elas ficam mais fortes e ajuda também a evitar o ataque das pragas”, relata.
Cido diz que já empregou o extrato em diversas culturas, como gengibre, mandioca, maracujá, abacaxi e hortaliças. Ele faz a aplicação de duas maneiras: na base das covas de plantio, onde são inseridas as mudas ou sementes, e por pulverização, de forma foliar. “Na cova, a alga se torna uma gelatina que ajuda a manter a umidade da terra. A planta não desidrata, continua viva e bonita!”, nota. Para Silva, o produto é um adubo mais completo e de maior “poder” quando comparado a outros, como a torta de mamona, pois fornece os principais nutrientes que a planta precisa. “É uma novidade para o pequeno produtor, que agora está conhecendo essa nutrição que vem do mar”, conclui.