Interação técnico-científica entre ITAL e Fraunhofer IVV resultou no depósito de três patentes de ingredientes
Assim que completou uma década, a parceria do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL-APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, com o renomado Instituto Fraunhofer de Engenharia de Processos e Embalagem (Fraunhofer IVV) resultou em 2021 no depósito de três patentes na Alemanha relacionadas a novos ingredientes obtidos a partir da macaúba, palmeira nativa milenar de maior ocorrência no continente americano considerada autossustentável e alinhada à economia circular. As inovações referem-se ao preparo de ingrediente proteico a partir de sementes de frutos de palmeira, à obtenção de ingrediente de fibra de macaúba e ao corpo moldado ou revestimento feito de fração de fibra da polpa de macaúba.
“Para o aproveitamento integral da macaúba, extraímos dois tipos de óleo (da polpa e da semente), fração proteica e fibras, sendo que a fração lipídica pode ser aproveitada tanto para biocombustíveis quanto para alimentos e cosméticos. Do farelo originário da torta da ‘amêndoa’, produto remanescente da extração do óleo da semente, obtivemos o concentrado/isolado proteico. Do farelo obtido da torta da polpa, obtivemos os ingredientes ricos em fibras, importantes na dieta dos seres humanos para facilitar o trato intestinal”, explica a pesquisadora do ITAL envolvida nas patentes, Roseli Ferrari.
Também integra o trabalho o pesquisador do Fraunhofer IVV, Sergio Henrique de Toledo e Silva, que destaca a estabilidade físico-química e sensorial da farinha proteica desengordurada obtida. “Nas condições ótimas, a composição centesimal é de 48,7% de fibra dietética total, 36,2% de proteína, 5,2% de minerais e 3% de óleo. Enquanto as proteínas podem contribuir para funcionalidades como emulsificação e formação de espuma, de gel e de filme, as fibras dietéticas podem contribuir com outras funcionalidades como absorção de óleo e de água, garantindo manutenção da textura e da estabilidade durante a vida de prateleira dos produtos alimentícios”, afirma.
Para garantir a segurança e qualidade dos ingredientes, no entanto, é necessário atender as boas práticas desde o corte do cacho e a limpeza, sanitização e secagem dos frutos. A equipe destaca também que, dependendo da região da coleta da macaúba, as polpas podem ter variação do teor de óleo entre 14% e 51,7%, sendo que a extração por prensa hidráulica melhor preserva os nutrientes. Já a torta da ‘amêndoa’ pode ser composta por 30% a 50% de proteína. Outra diferenciação se dá entre os tipos de óleos: o da semente é rico ácido láurico C 12:0 (38,7%) enquanto o da polpa varia de 48% a 78% de ácido oleico C 18:1, tendo maior estabilidade oxidativa. “Essa diversidade é muito interessante para a indústria”, observa Roseli.
Diante da crescente demanda mundial por óleos vegetais, tais entregas tecnológicas são um marco na implantação do sistema alimentar sustentável da macaúba, considerada “um dos maiores requisitos para o futuro” por Peter Eisner, vice-diretor e líder de Transferência de Tecnologias do Fraunhofer IVV. “A demanda global por óleo está aumentando na ordem de 6 milhões de toneladas por ano, então, no melhor dos cenários, nós podemos calcular uma previsão que dentro de 20 anos nós teremos a produção de 120 milhões de toneladas a mais em demanda de óleo, o que não é realista, pois precisamos considerar que devemos reduzir o consumo de combustíveis fósseis de maneira drástica por conta do aquecimento global, então nós temos que pesquisar diferentes tipos de óleos que possam substitui-los”, explica.
“A produtividade estimada da macaúba é de 2,5 toneladas de óleo por hectare, apenas inferior à do óleo de palma, que é de três toneladas por ano. Havendo a seleção de genótipos com qualidade superior, a produção pode chegar a cinco toneladas por hectare”, destaca o pesquisador Sergio Henrique de Toledo e Silva. Quanto à inserção dos novos ingredientes no mercado, a estimativa é que ocorra dentro de dois a três anos, assim que aprovado pelo órgão regulador.
Histórico
Com primeiro registro no Brasil há 11 mil anos, onde hoje é o Pará, a macaúba pode ser encontrada desde o norte do Paraná até o norte do México, estando presente nos biomas da Amazônia, da Mata Atlântica e sobretudo do Cerrado. “Na região Centro-Sul de São Paulo, de agricultura muito intensiva com várias culturas, naturalmente estão em áreas marginais, com relevo muito acidentado, junto a rios e florestas ou em pasto, seu ambiente favorito. Considerando que 50% da área agricultável do país é pasto, temos um cenário perfeito para integração do plantio de macaúba”, afirma o pesquisador Carlos Colombo, do Instituto Agronômico (IAC-APTA), que há 15 anos conduz uma série de estudos relacionados à palmeira Acrocomia aculeata, uma das três espécies de macaúba, e atua para concretizá-la como solução de sistema silvipastoril e de política pública regional.
O trabalho de Colombo, com apoio de pesquisadores da APTA Regional, foi fundamental para as conquistas apresentadas pela equipe do Centro de Projetos Fraunhofer para Inovação em Alimentos e Recursos Renováveis no ITAL, que iniciou sua atuação com macaúba em 2010 a princípio com foco na extração do óleo somente para biodiesel devido à sua alta acidez, pois a riqueza de nutrientes da fruta a torna mais suscetível a microrganismos, principalmente fungos. No decorrer das atividades de PD&I no ITAL, foram verificadas outras inúmeras possibilidades de novos produtos a partir da macaúba, que resultou nas patentes depositadas.
“O que temos demonstrado nos projetos desenvolvidos nos últimos anos é a bioeconomia como uma gigantesca oportunidade, principalmente em relação a bioprodutos e matérias-primas para ingredientes alimentícios como as proteínas alternativas que podemos aproveitar em ambos os países. Os resultados envolvendo diversos cientistas alemães e brasileiros envolvidos têm demonstrado que a colaboração é real e ativa.”
Peter Eisner, vice-diretor e líder de Transferência de Tecnologias do Fraunhofer IVV (crédito Fraunhofer IVV).