Uso indiscriminado pode ter contribuído para que a aplicação dos agroquímicos não seja mais efetiva no controle à doença
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Biológico (IB-APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, mostrou que o fungo Alternaria alternata, causador da doença conhecida como mancha marrom, em tangerinas, tangores e tangelos, vem se tornando resistente aos principais fungicidas usados em seu controle, pertencentes à classe das estrobilurinas. Constatado o problema, o Instituto passou a auxiliar na busca por alternativas.
“Há alguns anos, recebemos materiais de produtores do sudoeste do Estado de São Paulo. Eram frutos de Murcott que apresentavam sintomas típicos da doença mancha marrom de Alternaria. Segundo os produtores, a doença ocorria há anos em seus pomares, e o seu controle vinha sendo feito com sucesso com o uso de fungicidas do grupo das estrobilurinas, até então tidos como os melhores produtos para essa finalidade. A preocupação dos citricultores, naquela ocasião, era de que eles já não estavam mais conseguindo conter a doença com as estrobilurinas. Levantou-se, então, a possibilidade de que o fungo já poderia ter adquirido resistência aos fungicidas”, conta o pesquisador do IB, Eduardo Feichtenberger.
Isso acendeu o sinal de alerta e Feichtenberger decidiu investigar o que estava ocorrendo. “Isolamos o fungo responsável pela doença dos frutos recebidos e o cultivamos em meio de cultura contendo fungicidas do grupo das estrobilurinas”, detalha. Corroborando as suspeitas, o fungo cresceu normalmente, mesmo em presença dos agroquímicos. No intuito de confirmar os resultados, o pesquisador do IB entrou em contato com pesquisadores do Fundecitrus e do Departamento de Fitopatologia e Nematologia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP), onde novos testes comprovaram a resistência.
“Os resultados dos estudos foram publicados em artigos científicos mostrando que o fungo havia adquirido resistência a essa classe de agroquímicos e que, além disso, a resistência não estava restrita apenas à região do Sudoeste paulista, mas também a outras produtoras de tangerinas em São Paulo e, possivelmente, em outros Estados”, explica.
Buscando soluções
De acordo com o pesquisador do IB, a mancha marrom é uma doença muito grave para o segmento de tangerinas e murcotes, ainda que não cause problemas a outras culturas cítricas, como laranjas doces, limões e limas ácidas. “Principalmente na fase de pré-colheita, uma única lesão da doença no fruto pode, além de depreciá-lo no mercado de fruta fresca, provocar a sua queda prematura”, informa o cientista. Além da dificuldade de controle e da rápida disseminação da doença nos pomares, um agravante é a queda muito intensa de frutos dos pés, o que se traduz em prejuízos acentuados ao produtor.
Como acredita Feichtenberger, devido a práticas incorretas no controle químico da doença, as principais aliadas nesse controle, as estrobilurinas, passaram a não ser mais eficientes. “O fungo adquiriu resistência pelo uso elevado e indiscriminado desses fungicidas, que chegavam a ser aplicados, em alguns casos, de dez a vinte vezes em um único ciclo da cultura”, aponta.
Assim, uma vez identificado o fato, passou a ser necessário pensar em outras opções de manejo químico da doença. “Já tínhamos poucos produtos disponíveis, pois os benzimidazóis, defensivos muito utilizados no passado no controle de outras doenças fúngicas dos citros, não funcionam no controle de Alternaria. Dentre as outras opções, está o melhor uso dos fungicidas à base de cobre, que, aliás, já são muito utilizados no controle da doença. Porém, será necessário otimizar o seu uso, reduzindo-se o intervalo entre as aplicações, utilizando-se doses adequadas dos produtos e somente fazendo as aplicações quando elas se façam necessárias. Importante também considerar que uma das limitações do uso dos cúpricos em citros está no fato deles poderem causar lesões nos frutos por fitotoxicidade, quando as aplicações são feitas em frutos já no seu estádio final de desenvolvimento”, agrega.
Tendo o controle químico se tornado muito problemático, a solução passou a ser investir nas boas práticas agrícolas e no melhoramento genético. Em conjunto com o Centro de Citricultura “Sylvio Moreira”, do Instituto Agronômico (IAC-APTA), o IB iniciou, logo após a detecção da doença em São Paulo, em 2003, estudos visando encontrar novas cultivares de tangerinas e híbridos de citros resistentes ou tolerantes ao fungo A. alternata. Os resultados desses estudos mostraram que as tangerinas ‘Thomas’ e ‘Fremont’ apresentam elevada resistência ao fungo. As pesquisas foram depois ampliadas pelo Centro de Citricultura do IAC, com a avaliação de um grande número de cultivares e híbridos de tangerinas.
“Hoje, já temos cultivares disponíveis para plantio como a IAC2019 Maria, que apresenta tolerância ao fungo e também outras excelentes características culturais e organolépticas”, enfatiza o pesquisador do IB. Promissora, a nova variedade precisa alcançar agora a aceitação do consumidor. “É difícil mudar os hábitos alimentares das pessoas, porém isso será necessário no caso das tangerinas, pois as principais variedades hoje cultivadas no país apresentam elevada suscetibilidade à doença”, finaliza Feichtenberger.
Responsável pelas análises conduzidas na Esalq, a professora da instituição Lilian Amorin ressalta os importantes resultados advindos do trabalho conjunto com o IB e o Fundecitrus. Ela lembra que os experimentos contaram também com a participação de seu orientado de mestrado Gabriel Chitolina e do pesquisador do Fundecitrus Geraldo José da Silva Junior. “Conduzimos experimentos in vitro para determinar a concentração efetiva de fungicidas do grupo dos inibidores da quinona externa (IQe) na inibição de A. alternata”, relata.
Os resultados evidenciaram que boa parte dos isolados de A. alternata testados apresentou baixa sensibilidade aos fungicidas avaliados. “Isso indica que esses fungicidas, outrora muito eficientes, não devem ser utilizados no controle da doença no Estado de São Paulo, e que os produtores de tangerina devem realizar estratégias de controle que evitem que o patógeno se torne resistente a outros fungicidas”, alerta Lilian. “O uso de fungicidas formulados em misturas e a rotação de princípios ativos de diferentes grupos de fungicidas são recomendações gerais anti-resistência”, aconselha. Para a professora da Esalq, os resultados obtidos são relevantes, porque respondem a demandas que partiram dos próprios produtores de tangerinas, sobre as causas das falhas no controle da doença.
Lilian enfatiza que a parceria com o IB é antiga e muito frutífera. Ela credita a Feichtenberger um grande prestígio junto aos produtores de citros de São Paulo, além de profunda compreensão sobre as doenças da cultura. “Seu conhecimento sobre os problemas fitopatológicos que ocorrem no campo é essencial para que possamos conduzir, conjuntamente, experimentos que visam compreender e mitigar as epidemias, principalmente as de origem fúngica”, pontua.